E foi um parto difícil.
O meu pai encaminhou a minha mãe para a única clínica particular de Douglas, na esperança de fugir às listas de espera e de ser mais bem tratada.
A clínica era chic, talvez, não poderemos negar. Mas o médico, que também não era menos, demorava-se no seu chá das cinco, tomado no recato do seu gabinete na companhia das duas enfermeiras mais novas da clínica, que na sua inocência provinciana se babavam na presença do médico, homem feito, quarentão de barba viril, sempre bem vestido e bem falante. Além disso, por ser médico, era idolatrado pelas pessoas do campo e quase todos os dias lhe chegavam a casa produtos de hortaliça fresca, ovos, galinhas, patos, coelhos, e tudo o mais que os seus clientes se conseguiam lembrar, já que muitos eram pessoas do campo sem grande capacidade para pagar as consultas em dinheiro, o que eles compensavam pagando com bens. Sendo assim, e sendo o médico um solteirão convicto, o mais desejado da região, era de todo natural que as duas moças sentissem umas humidades a crescer quando estavam com ele e tivessem reacções de colegial quando o viam passar.
Para além do chá das cinco o médico demorava-se a fumar o seu cigarro enquanto uma das enfermeiras lhe fazia massagens nos ombros e nas costas e a outra lhe lia um trecho de "O Vermelho e o Negro" de Stendhal, que ele gostava de ouvir na voz da enfermeira, tão cristalina e tão excelente leitora.
Quando finalmente se dispôs a ir tomar conta das ocorrências e dos seus doentes, encontrou então a minha mãe que, de tanto esperar, até já lhe tinham passado as contracções e estava desesperada e nervosa por imaginar que, por aquele andar, não só eu não nasceria, como ela iria desta para melhor provavelmente.
O médico assumiu os procedimentos de emergência e conseguiu tirar-me de dentro da barriga da minha mãe usando de uma ventosa que, colocada na minha cabeça, me puxou para fora.
Nasci feio e azulado. Mais um pouco e nasceria morto. A minha cabeça vinha afilada como a ogiva de um míssil intercontinental em virtude do uso da ventosa.
Ao ver-me, a minha mãe só teve tempo de murmurar entre dentes "Que feio! Coitadinho...", e depois desfalecer desmaiada do esforço imenso que foram aqueles momentos.
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