segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A espada de D. Afonso Henriques

Certo feirante tinha uma espada à venda. Dizia que era a espada de D. Afonso Henriques.

Era grande, pesada, luzidia.

Um cliente interessado em antiguidades abeirou-se da barraca e começou a ver e a fazer perguntas.

(…)

- Diz o meu amigo que esta era a espada do D. Afonso Henriques?

- Sim senhor! – Diz o feirante. – É um orgulho para mim ter uma peça dessas para vender. Aliás, só a vendo porque tenho as minhas dificuldades; porque senão guardava isso para sempre… É uma beleza, não acha?

- Sim é bonita… - Dizia o cliente duvidoso. – Mas está com um ar tão novo…

- O cabo foi trocado! – Avançou o vendedor. – Há uns anos o antigo dono trocou o cabo antigo por este aqui, que o outro tinha a madeira estragada do caruncho.

- Pois… Mas a lâmina também parece nova…

- Nova? Deixe lá ver… - O vendedor pegou na espada e começou a observar com atenção. – Sim ela está em bom estado… Mas acho que não é nova. Espere um bocado para eu confirmar…

O vendedor pegou no telefone e ligou para o antigo dono da espada. Conversou um bocado e por fim desligou.

- Não é nova não! – Diz com um enorme ar de satisfação. – Já não é a primeira, foi trocada no tempo das invasões francesas por um general que foi dono dela. Mas não é nova claro!

O cliente estava cada vez mais com dúvidas.

- Então quer dizer… Esta é a espada de D. Afonso Henriques, excepto no facto de ter levado uma lâmina nova e o cabo ter sido trocado…

- Exacto. Foi alvo sempre de excelente manutenção.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Prudência

O F. e o T. eram amigos de longa data, daqueles que se conheciam desde miúdos, colegas de escola e vizinhos, que brincavam na rua e passavam muito do seu tempo em casa um do outro.

Com o tempo cresceram, como é natural. E foram para a universidade.

Certa vez, por alturas do ano novo, combinaram juntar uns amigos e fazer uma festa de reveillon. Assim se fez, e foi uma grande festa, com muita gente, e a noite correu animada para todos. Foi uma bela festa.

O nosso amigo F. andava nessa altura a ter uns encontros esporádicos com uma tal R., filha de uns amigos dos pais. Nada de compromissos, digamos, davam umas saídas, divertiam-se um bocado. E resolveu convidá-la para a tal festa de fim de ano.

Quando a R. e o T. foram apresentados houve, imediatamente, aquela descarga eléctrica que acontece muitas vezes entre as pessoas que sentem que há ali qualquer coisa que os vai puxar um para o outro.

Falaram muito, riram-se, beberam, dançaram, e às tantas o nosso amigo T. beija a R., num lugar absolutamente à vista de todos.

A noite acabou. Encontraram-se mais tarde, e foi uma grande paixão que durou meses.

O tempo passou e, poucos anos mais tarde, T. desafia F. a ir para Lisboa uma noite para tomar parte num jantar de amigos, com saída a seguir, enfim, uma noitada.

O nosso amigo F. apareceu acompanhado de uma tal R., que conhecera não se sabe bem onde, e com quem mantinha uns encontros esporádicos. Nada de compromissos, digamos, davam umas saídas, divertiam-se um bocado.

Foram jantar todos juntos, com outras pessoas também, e desde logo se notou que entre o T. e a R. tinha acontecido aquela descarga eléctrica que acontece muitas vezes entre as pessoas que sentem que há ali qualquer coisa que os vai puxar um para o outro.

Saíram por Lisboa, foram para “O Barco” onde se deu uma cena que poucos viram, qualquer coisa relacionada com o T. pedir um cigarro a R., ela gracejar com qualquer coisa, e ele, num acto dramático, atirar o cigarro acabado de acender borda fora e virar-lhe a cara e deixar de lhe falar.

Foram ainda para Alcântara, para o Garage, e só lá dentro voltaram a falar. Quando a noite acabou é que os amigos os procuraram e foram encontrá-los num canto escuro da discoteca a comerem-se desalmadamente, como se não houvesse amanhã.

A noite acabou. Encontraram-se mais tarde, e foi uma grande paixão que durou meses.

Hoje ainda são amigos. No entanto, uns anos mais tarde F. resolveu casar-se com uma colega de trabalho. Ainda esteve em dúvida, mas achou que era mais prudente não convidar T.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O almoço

Entrámos ordeiramente no restaurante, cheio de gente, que tinha aberto aquele fim-de-semana devido à ocasião especial proporcionada pelo festival.

Sentámo-nos e uma criança veio pergunta do que seríamos servidos. Pedimos.

Trouxeram-nos o prato principal, que comemos, depois as entradas. A criança veio saber o que queríamos beber e aproveitámos para pedir as sobremesas.

Trouxe-nos as bebidas e esqueceu-se das sobremesas.

Deram-nos as sobremesas ao balcão enquanto ordeiramente pagávamos.

Fomos comer as sobremesas, a acompanhar o café, na esplanada ao lado.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Sinceridades

- Eu sou sincera… minto muitas vezes.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Desobediência

- Resistência passiva?

- Sim!

- “Sim” como?

- Como na Índia. Desobediência civil!

- Mas isso resultou bem contra os ingleses…

- E então? Estes são melhores?

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A curiosa história de N.

Durante meses N. planeou o seu futuro. Estava tudo decidido, queria tirar um curso superior de matemática.

Tendo acabado os exames do liceu, e sendo as suas notas suficientes para entrar em qualquer curso que pretendesse, dirigiu-se à Faculdade de Ciências para se matricular no curso que escolhera.

Foi com surpresa que recebeu a notícia que o curso que pretendia teria a duração de cinco anos, em vez dos quatro anos que pensava. Naquele estado de confusão momentânea passou-lhe pela cabeça que se a opção era tirar um curso de cinco anos, então iria tirar um de engenharia que era de seis.

Dirigiu-se ao Instituto Superior Técnico, olhou para a lista dos cursos existentes, tirou aqueles que não lhe cheiravam bem e matriculou-se em Engenharia Química.

E assim se decidiu um trajecto de vida numa manhã.

Os três dês

Sentado na sua secretária, o jovem J. esboça um sorriso maquinal para o cliente que se segue.

Trabalha num banco conhecido, onde tem funções que se prendem com a negociação de contratos de crédito mal-parado com clientes em dificuldade.

Com a prática aprendeu a poupar tempo.

- Bom dia! Desemprego? Doença? Divórcio?

O livro

- Não sei o que lhe oferecer…

- Porque não um livro?

- Ela já tem um.

domingo, 10 de agosto de 2008

O mito de Pandora

O caranguejo era um tipo interessante. Bom conversador.

Foi ele que lhe contou a história de Pandora, a primeira mulher, feita pelos deuses para castigar os homens. Ela tinha todas as qualidades, dado ter sido criada por todos os deuses em conjunto.

Contou a história da caixa que Pandora possuía, onde estavam guardados os males do mundo, e que veio a ser aberta para nos castigar.

- E que males eram esses? – perguntou interessado.

- Os males dentro da caixa? Eram a doença, a velhice, a mentira, a loucura, o trabalho e a paixão.

- Como vês está tudo na mesma… - continuou o caranguejo sorridente.

Mudar?

- Mudar de praia?

O caranguejo olhou em volta e apreciou a paisagem pensativo.

- Posso mudar. Já tenho mudado. Mas já descobri que não é a praia onde vivo que faz a diferença; o que realmente conta é a forma como ocupo o meu tempo.

Abundância

- E de que vale? – perguntava o caranguejo – as pessoas terem tantos bens materiais que não usam? Coisas que com o tempo só perdem o valor?

A praia

Sentado no areal da praia deserta olhava o mar à sua frente e meditava na curiosa conjugação de factores que transformam certas praias lugares superpovoados e procurados, enquanto outras, como esta, lugares vazios de gente.

Da areia surgiu um caranguejo vermelho. Conversaram um bocado. O caranguejo prefere as praias desertas. Diz que nas outras já lhe aconteceu ser pisado.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Liberdade

- Estou Peter?
- Oi…
- Lembras-te de te ter falado daquele fulano com quem tenho estado?
- Sim…
- Ando tão mal…
- Então?
- Estive com outro…
- Hmmm…
- Sinto-me tão mal…
- Sentes?
- Sinto… Não sei o que quero… Estou de rastos… Arrependida… Não sei o que quero.
- Não deves estar à espera que seja eu que te diga o que deves querer…
- Não… Sei lá… Mas estou tão confusa…
- Só vais deixar de estar confusa quando deixares de dar importância ao que fizeste. Aí poderás saber o que queres.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Os benefícios do desporto

Muita gente que conheço pratica desporto. Quero dizer, entregam-se a uma actividade física mais ou menos violenta de vez em quando, ao fim de semana, ou em certos dias da semana em que combinaram com os amigos ir jogar futebol, ou outra coisa qualquer.

Com frequência tenho encontrado essas pessoas com lesões graves, resultantes da prática desportiva mal medida. São as roturas de ligamentos, as costelas partidas, os entorses, as luxações, etc.

Contaram-me um dia que Winston Churchill, já velho, foi interpelado por um jornalista que lhe perguntou qual o segredo da sua jovialidade e bonomia na sua idade avançada.

- O segredo é o desporto… - terá respondido sorridente – nunca fiz…

A caixa de Pandora

Muitas vezes sofremos, por causa de problemas que não conseguimos identificar, as nossas acções ficam alteradas, e as nossas capacidades diminuídas.

Perdemos tempo a tentar encontrar o problema que nos afecta. Depois de identificarmos um problema somos levados a pensar que o problema nem é bem aquele, mas sim outro mais antigo e anterior, ou outro completamente diferente. E, há medida que pensamos e revemos as coisas, não conseguimos identificar problema nenhum; limitamo-nos a rever todas as coisas más pelas quais já passámos. E sofremos muito.

Às vezes temos a sorte de encontrar alguém que nos abre os olhos e nos faz ver que o cérebro é uma caixa de Pandora. O “problema” não é nenhuma coisa em particular, algo que nos tenha acontecido. O problema é que a caixa de Pandora está aberta, e tem de ser fechada. As coisas antigas não se resolvem, esquecem-se.

Curiosamente, e sendo estes princípios fáceis de entender, o senhor P. foi confrontado com esta realidade num dia da semana. No dia seguinte telefona-lhe uma pessoa amiga a sofrer com certas coisas que lhe aconteceram, a pedir ajuda e conselhos. E a coisa deve ser verdade, porque o único bom conselho e que ele teve para lhe dar foi que esquecesse tudo, que fechasse a caixa, que só então poderia andar para a frente.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O dia de pesca que não foi

A senhora L. tinha planeado uma série de actividades para certo domingo, que passavam por ir às compras, arrumar um bocado a casa, arranjar uma torneira que se tinha estragado na casa-de-banho, e mais algumas coisas. Para isso estava a contar com a ajuda do marido, o senhor P.

Pelas seis da manhã de domingo sentiu o senhor P. a levantar-se da cama, a ir tomar banho, vestir-se alegremente e bem disposto…

Fingiu que continuava a dormir, e só fez menção de abrir ligeiramente os olhos quando o senhor P. se acercou da cama, e lhe deu um beijo para ela acordar.

- Querida… vou passar o dia fora, combinei um dia de pesca com os meus amigos. Volto à noite.

- Vais pescar?

- Sim… foi o que combinei… Há algum problema?

- Não… - disse ela, continuando a fingir-se sonolenta – Nada especial. Tenho andado para te dizer, mas não sabia como… Tenho tido às vezes umas vontades repentinas e violentas de fazer mamadas… Enfim… Era talvez bom que estivesses por perto…

E virou-se para o lado e deixou-se adormecer.