quinta-feira, 31 de julho de 2008

O pêndulo perfeito

O pêndulo perfeito, se existisse, seria uma bola de massa perfeitamente determinada, cuja determinação exacta é, na prática, impossível, ligada por um fio sem massa – coisa que não existe – e de espessura infinitamente pequena, o que não passa de uma concepção, a um ponto fixo no espaço e actuado por um campo gravítico uniforme.

O pêndulo perfeito, se existisse, poderia ser deslocado do seu ponto de equilíbrio e ficaria ad eterno a baloiçar, a baloiçar, a um ritmo sempre igual, sempre com a mesma amplitude de movimento, até ao fim dos dias.

Mas o pêndulo perfeito não existe. O que existe é o pêndulo real; e esse baloiça, de facto, mas a um ritmo que se vai perdendo no tempo, e com amplitudes cada vez menores, devido ao atrito provocado pela passagem da atmosfera junto ao seu corpo e à energia que se dissipa no fio, que por não ter espessura infinitesimal se deforma continuamente provocando a diminuição do movimento à medida que a energia do conjunto se perde sob a forma de calor produzido pelo atrito interno das partículas atómicas do fio.

Além disso, se tivermos um pêndulo qualquer, por muito bom que ele seja, a baloiçar continuamente, o fio acabará por partir um dia devido à acção corrosiva do ambiente e da fadiga provocada pelo movimento. Se o mantivermos parado, ele acabará por se estragar na mesma devido à corrosão.

Esta conversa ilustra pouca coisa. Apenas que o que se usa gasta-se; e o que não se usa estraga-se.

E que a perfeição não existe.

Diâmetros

- Confias em mim?
- Confio.
- Confias porquê?
- Nunca me deste razão para não confiar…
- Tu não confias? – Continuou.
- Não…
- Alguma coisa que eu tenha feito?
- Não confio em mim. Porque havia de confiar em ti?

Tudo o que tu quiseres

Sentaram-se mais ou menos a meio da sala do cinema. O filme era para crianças. Enfim, mais ou menos. A história era quase infantil, mas nem tudo o era; o final não era feliz.

Saíram com os olhos em lágrimas e foram aliviar o espírito a ver montras, comeram qualquer coisa, espreitaram a loja dos azeites, os livros.

Enfim, pôs-se a pergunta que pairava no ar:

- Que vamos nós fazer?

- O que quiseres. – Respondeu ele sorridente. E reforçou brincalhão. – Faço tudo o que tu quiseres…

Ela sorriu, num certo tom de ironia amarga.

- Não queiras sequer saber o que seria isso tudo…

Depois pensativa concluiu.

- Se toda a gente fizesse tudo o que quisesse, este lugar seria muito perigoso…

terça-feira, 22 de julho de 2008

Sim, é estranho

"(It's) Strange how people who suffer together have stronger connections than people who are most content..."

Bob Dylan

sábado, 19 de julho de 2008

Suecos

Swedish... they all fuck...

Yeah... - Dizia ela, sem compreender muito bem.

domingo, 13 de julho de 2008

Solitude standing

Saiu à tarde para a rua, na disposição de ir tomar um café. A rua estava deserta.

No café encontrou o vazio e a ausência. Um casal de namorados que costuma andar por ali.

Conversaram um bocado e decidiram, todos juntos, dirigir-se a um bar próximo que encontraram com um único cliente ao balcão, que fumava uns cigarros e bebia umas cervejas, e que era o próprio empregado do bar.

Ali estiveram, até que decidiu que era tarde e tinha de se ir embora.

Foi para casa, fazer o jantar, ao encontro da companheira de sempre, a solidão.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Salta

- Salta!
- Salto?
- Salta…
- Mas está escuro!
- Tens medo do escuro?
- Não…
- Se calhar tens…
- Não tenho nada!
- Deves ter… Assim parece…
- Não tenho juro!
- Deixa lá, vamos embora, não saltes…
- Não salto porquê? Para tu dizeres que tenho medo do escuro?
- A sério, deixa lá isso, vamos…
- Não mandas em mim, se eu quiser salto!
- Não és capaz…
- Sabes que mais? Salto! Salto mesmo!

Saltou.

O marquês recostou-se e acendeu um cigarro, enquanto ouvia o nadar ofegante no fundo do poço.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Errar é humano

Errava tanto, mas tanto, de forma tão clamorosa, que um dia, ao querer errar de propósito, acertou.

Mel

Olhava para o frigorífico de porta aberta e não se decidia. A pessoa estava indecisa, sem saber bem que frasquinho de compota, ou doce, deveria escolher.

A outra chegou-se por trás e segredou-lhe suavemente ao ouvido;

- Sabias que o mel é espermicida?

A equação

Depois de passar muitos anos de estudo, observação e experimentação das coisas, um certo cientista tinha formado um conjunto de equações que, resolvidas em conjunto, deveriam fornecer o modelo teórico e perfeito para descrever certo fenómeno.

Mas alguma coisa estava errada, alguma coisa faltava ali, uma equação qualquer para completar o sistema.

Muitas noites passou em claro, bebeu muitos cafés, fumou muitos cigarros, pensou muito. O que lhe faltava devia estar por aí em algum lado, mas não estava capaz de ver o que era.

Foi numa conversa com um estudante que a solução apareceu. Essa pessoa fez-lhe notar que estava de facto impressionado com a elegância e profundidade daquelas equações belas e originais, mas que não estava a encontrar ali a equação básica que lhe tinham ensinado como sendo fundamental, porque representa certa lei da natureza à qual não é suposto fugir.

Claro que sim, “que estupidez a minha!”, pensou o cientista; o que lhe faltava era o princípio de tudo, o que lhe tinham ensinado na escola há muito tempo atrás.

terça-feira, 8 de julho de 2008

A janela

Certa pessoa comprou uma casa velha numa zona antiga de Lisboa e pensou que teria conveniência em abrir uma janela em certa parte da casa.

Falou com um arquitecto seu amigo, no sentido de saber como deveria proceder para obter a autorização da câmara municipal para fazer tal alteração à fachada do prédio.

O arquitecto disse-lhe, desde logo, que tal seria impossível; a câmara nunca iria aprovar tal alteração por aquela zona ser considerada de interesse especial.

Fizeram a janela sem pedir nada a ninguém. Depois de feita, tiraram umas fotografias e compuseram um requerimento à câmara a pedir autorização para tapar aquela janela, com a consequente alteração da fachada.

Da câmara receberam uma recusa liminar; “Não, essa janela não pode ser fechada, porque faz parte de uma fachada de um prédio numa zona considerada de interesse arquitectónico especial…”

"O cérebro transpira..." (cont.)

É claro que é possível, também, que o problema não esteja na filosofia mas sim numa qualquer pequena coisa mais prosaica...

segunda-feira, 7 de julho de 2008

"O cérebro transpira..."

A filosofia é uma actividade interessante e perigosa. Se calhar é por ser perigosa que é interessante. Ao caminharmos pelos carreiros do pensamento filosófico, frequentemente, deparamos com bifurcações no caminho que nos levam em direcções diferentes e opostas. Seguindo por um lado seremos levados para o alto de um monte onde poderemos ver as coisas com mais clareza, seguindo pelo outro desceremos às profundezas da terra; e se não tivermos cuidado pode ser que fiquemos por lá. O problema é que os caminhos não estão assinalados com tabuletas para podermos escolher.

Muito embora não seja dado a depressões - pelo menos graves nunca tive - existe em mim um pano de fundo melancólico e trágico que se manifesta, normalmente, de forma positiva, num humor ácido e transgressor, mas que deixa, ainda assim, que os meus dias corram bem, confiante nas minhas capacidades.

Ciclicamente acontecem episódios de negativismo. Resultam de levar até longe as cogitações filosóficas e de enveredar, de vez em quando, pelos caminhos que levam à entrada dos infernos. São situações complicadas e que exigem autodomínio para não me deixar prender para sempre. Às vezes sou eu mesmo que consigo manter a cabeça fria e parar, outras vezes são outras pessoas que me puxam para trás e me trazem de novo aos sítios donde posso observar as coisas sem me perder.

Desde há muitos meses que tenho vindo a trilhar um caminho que sendo profundamente enriquecedor e cheio de observações interessantes é, também, dos tais muito perigosos.
Nestes dias aconteceram coisas que me fizeram parar para pensar e perceber que, mais uma vez, tenho estado a abordar a tal linha amarela da prudência, que é suposto não ser passada, mas que eu vou colocando cada vez mais à frente, cada vez que a passo um bocadinho para ir espreitar o que há para lá da linha, que demarca a fronteira entre a parte do caminho que já explorei e conheço, e a parte que ainda não visitei.

Nestes dias senti, e foi-me dado a sentir, que é hora de aliviar a distância dos infernos e voltar mais para trás para digerir o que me foi ensinado. Esse caminho permite-me, cada vez que o faço, desfazer e pensar de novo a equação, e simplificá-la tirando-lhe termos redundantes; é como que uma piscina de águas turvas onde mergulho ciclicamente para voltar a emergir lavado de muitas coisas que me toldavam o cérebro; mas sempre mudado, preparado para voltar a seguir outros caminhos que, mais cedo ou mais tarde, me poderão trazer de novo à piscina para mais uma lavagem nas águas infernais.

Nestes dias tornou-se evidente que esta zona da linha amarela tem efeitos negativos e me está a impedir de desfrutar de forma plena das coisas boas e de uma pessoa bela que estes tempos me têm dado a conhecer. Eu gosto dela. Desejo-a. E sinto um prazer transcendente quando estou com ela. Mas, em certo momento, não aparento viver esse prazer de forma absoluta e entregue.

Parece ser insegurança; será. Resulta, digo eu agora, do tal caminho que tenho percorrido, que tem sido interessante e didáctico mas que me poderá ter corroído por dentro. É a hora de parar e dar passos atrás, agora tenho a certeza.

Eu sei que vou voltar ali um dia. Aquela linha amarela ainda pode avançar um bocado, e eu quero saber o que se esconde atrás. Mas porque o cérebro transpira quando nos mexemos, como dizia um senhor da “Liga dos últimos”, por agora vou deixar a linha amarela onde está e vou dar uma volta de bicicleta.

domingo, 6 de julho de 2008

Fidelidades

A senhora L. e o senhor T. viviam juntos há já vários anos, nunca se tinham casado mas viviam maritalmente. Não sabemos se alguma vez tinham assumido algum tipo de compromisso de fidelidade, verbal ou tácito, mas o senhor T., com o passar do tempo, habituou-se a uma certa ideia de fidelidade comprometida. Ele não tinha por hábito procurar ninguém, e, tanto quanto sabia, a senhora L. também não o fazia, e como sempre se deram bem, digamos que podemos admitir que fosse uma ideia partilhada por ambos.

Foi com espanto e consternação que um dia chegou a casa e encontrou a mulher enrolada na cama com uma amiga do casal, uma pessoa intima lá da casa, que o senhor T. nunca tinha suposto, nem nunca lhe tinha passado pela cabeça tal coisa, que pudesse ser amante da mulher.

Perdeu a cabeça. Gritou, berrou, praguejou, bateu nas portas e nas paredes, partiu uma mesa na sala, pôs a amiga da mulher fora de casa. O seu espírito consternado viu a sua vida a desmoronar-se, os pressupostos da sua vida de casado postos em causa de repente.

Foi a custo que a senhora L. conseguiu que ele se acalmasse um pouco, o suficiente para poderem falar.

- Eu não esperava… - Dizia o senhor T., desesperado e lívido.

- O que é que tu não esperavas? – Perguntou ela.

- Uma coisa destas! Uma traição destas! Achas normal um homem chegar a casa e encontrar a mulher na cama com outra pessoa? Ainda por cima uma mulher? Se já não gostas de mim ou não queres estar comigo, podias ter dito. Não precisava de passar por esta humilhação!

- Tu não estás a ver bem as coisas. – disse a senhora T. – Quem te disse que não gosto de ti ou que não quero estar contigo? Claro que gosto e quero!

- Gostas o quê! – gritava o senhor T., perdido de todo – Gostas o quê?! Como podes dizer que gostas e queres se eu te vejo na cama com outra!

A senhora L. exasperou-se com a situação.

- Olha lá meu idiota… se eu digo que gosto é porque gosto. Acreditas mais no que vês ou naquilo que eu te digo?

quarta-feira, 2 de julho de 2008

O anoitecer

É uma hora difícil. Este período que não noite nem é dia, em que não estamos ainda no espírito nocturno do descanso, nem já é dia para estarmos focados nos trabalhos que temos em mãos. É a hora em que o espírito se vai adaptando a custo à sua nova situação, mantendo, no entanto, uma vigilância preocupada e pensativa nos assuntos que aos poucos se vão desvanecendo e sendo adiados para amanhã.

Conta-se que certo ginecologista estava a esta hora, ainda, no seu consultório a acabar os últimos assuntos pendentes. Já tinha tirado a bata e estava de mangas arregaçadas, com a gravata folgada no nó para lhe dar uma maior sensação de conforto; estava já no tal espírito transitório de quem se prepara para fechar a porta e ir descansar.

Dirigiu-se a uma pequena garrafeira que tinha no canto do consultório, serviu-se de um whiskey e sentou-se, disposto a acabar aqueles restos de papelada que lhe sobravam na secretária.

Tocaram à porta.

Um pouco contrariado lá resolveu ir ver quem era e deparou com uma jovem senhora, que, preocupada, lhe explicou a sua situação.

- Boa noite… Desculpe-me bater-lhe à porta a esta hora. Eu tinha uma consulta marcada para hoje mas não pude vir porque tive contratempos no emprego. Acontece que por motivos familiares não vou poder voltar durante duas ou três semanas e gostava, e precisava, de ser consultada. O senhor está ainda em condições de me receber?

O médico hesitou. Depois lá assentiu:

- Entre… eu estava, de facto, a acabar… mas seja, venha comigo.

A jovem agradeceu e seguiu o médico escada acima até ao gabinete.

- Estava já em traje de saída… - sorriu o médico – sente-se, esteja à vontade. Estava a acabar estes papéis, também já não falta muito. Aceita qualquer coisa para beber enquanto acabo isto? Fazemos a consulta a seguir…

A jovem aceitou e ficaram um bocado a conversar, enquanto o médico fazia os seus rabiscos. Ficaram assim um bocado, a conversar descontraidamente, trocando impressões e contando pequenas coisas, a falar da vida de cada um, naquela descontracção de quem está a sentir que o dia chegou mesmo ao fim.

Deixaram-se estar, até que a conversa foi interrompida por um ruído de chave a entrar na fechadura da porta, o ruído de alguém a entrar e, finalmente, o barulho de uns sapatos de salto a subir as escadas.

O médico empalideceu, algo lhe tinha escapado, de facto…

- Depressa! – disse ele para a jovem – é a minha mulher… Dispa-se e abra as pernas ali na marquesa! Ela não nos pode ver assim…