Lugar Sem Nome, 25 de Junho de 2008
Cara e excelêntissima vizinha,
É com consternação e humor preocupado que lhe dirijo esta carta, que já há vários dias deveria ter sido escrita, onde venho manifestar o meu repúdio e intensa revolta pelas actividades do seu Marecos.
Eu sei que o Marecos era um cão inteligente, forte, de boa aparência e que apesar de ser rafeiro rivalizava em postura e apresentação com qualquer Golden Retriever ou Labrador. Um cão muito bonito, e até muito simpático, sempre gostei muito dele, e ficava sempre muito contente quando o via saltar a grade do seu quintal para vir ter comigo e dar-me lambidelas nas mãos e no rosto, cumprimentos que eu retribuia com alguma goluseima que trouxesse, e houve tempos até em que me preocupava em ter sempre de reserva para o Marecos um pacote dos mesmos biscoitos que costumo comprar para o meu Lancelote, que como saberá é, ou antes era, um bonito pincher que me deu a minha querida e saudosa filha no dia do primeiro aniversário do falecimento de meu querido e saudoso marido.
Sempre gostei do Marecos e sempre lhe dei carinho e atenção, e houve alturas até em que o mantive em minha casa durante as férias da minha querida vizinha, quando ia para o Algarve, coisa que fiz sempre com muito gosto porque gosto de animais e não me sinto bem numa casa vazia, agora que todos partiram.
Desde há uns tempos vinha acontecendo que o Marecos vinha brincar com o Lancelote, e, outras vezes ia o Lancelote brincar com o Marecos, ora no meu quintal, ora no seu, mas sem eu nunca desconfiar das actividades a que eles se dedicavam.
Foi portanto com espanto que encontrei os dois, dentro da casota do Lancelote, dedicados à mais pecaminosa promiscuidade, sendo que os gritos do Lancelote eram tão altos que eu tive de descer ao terraço para ir ver o que se passava. O Marecos possuiu, e continuou a possuir durante semanas ou meses o meu Lancelote!
Eu não posso compreender isto, são coisas que não entendo e duvido que a minha vizinha possa compreender também como é que um cão como o Marecos, que teve sempre tanto sucesso junto das cadelinhas suas amigas - eu não sou de intrigas mas até acho que ele teve um caso com a cadelinha da nossa vizinha Adelaide, mas não lhe diga nada - poderá ter virado o seu instinto animal para um cãozinho tão simpático e feliz como era o Lancelote.
É uma tristeza que me fica. O Marecos maltratou, estropiou, mordeu, rosnou e atemorizou o meu Lancelote. Nunca esperaria isso do seu cão minha amiga... E não lhe perdoo.
Agora que o Marecos morreu atropelado, o que imagino lhe cause também muita tristeza, o Lancelote anda muito em baixo, sem apetite, e desde há vários dias que percebo que passa o tempo no seu quintal, provavelmente à procura do Marecos.
Esta carta foi escrita para lhe pedir o favor de me trazer o Lancelote que me faz muita falta por ser tão boa companhia e convidá-la desde já para vir tomar um chá cá a casa para pormos as conversas em dia. Venha logo que possa, sabe bem que as minhas portas estão sempre abertas para si.
Os melhores cumprimentos para a minha vizinha e para o senhor arquitecto.
Alzira
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