O homem entrou na repartição pública com o ar gingão e ritmado de quem vem a ouvir música por dentro. Era um tipo dos seus quarenta e tal, um bocado suado do calor e com uma camisa verde clara de mangas curtas por fora das calças, daquelas que se usam a disfarçar a barriguita que já vai num estado avançado na protuberância.
Entrou na sala a gingar e estacou por um momento numa pose teatral, bem à frente das pessoas sentadas à espera da sua vez. Depois começou a olhar em volta, para todos os pontos da sala, como que à procura de qualquer coisa, enquanto com as mãos e com os pés executava uma curiosa coreografia ondulada, como que apontando para sítios vagos, voltando atrás constantemente, para logo depois voltar a apontar para outros sítios, com o corpo a dançar ao som dos Bee Gees.
Dentre as pessoas que observavam, sem perceber bem o que se passava, uma senhora ucraniana percebeu que talvez fosse melhor dar um rumo àquele homem e começou a apontar para a maquineta vermelha na parede onde se podem tirar os bilhetes que ordenam o público.
Num momento e já várias mãos apontavam para o desenrolador dos bilhetes, mas o homem parecia não perceber e continuava a dançar, com os olhos a percorrer a sala toda, desde o relógio na parede do fundo da sala até às pernas das senhoras sentadas.
De repente uma voz eleva-se do fundo da plateia e diz:
- Oh homem! Está aí à frente pá! A máquina dos números está aí mesmo à frente!
O outro lá acordou da transe, fez um gesto com as mãos como quem diz “Eureka!” e chegou-se à frente para recolher um papelinho da máquina.
Foi sentar-se enquanto com um sorriso se dirigia ao homem do berro:
- Está aqui mesmo à frente, não estava a ver!
- Pois… - Concordou o outro – Eles puseram isto num sítio que não se vê bem.
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