quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O princípio de Peter

O porto de Douglas, bem como a praia, é frequentado por muitos homens que ali se deslocam para ir pescar.
São homens de todas as idades e estratos sociais que debaixo dos seus oleados e bonés, e de cana-de-pesca em punho, se postam em frente às águas à espera daquele dia ou noite de sorte em que conseguem tirar da água um peixe que lhes permita voltar para casa com a sensação de terem valido a pena as longas horas ao frio, ao vento e, quantas vezes, à chuva.
São homens solitários. Uns por sina, outros por opção. Uns vão porque não têm nada nem ninguém que os prenda. Outros vão para fugir à vida que têm em casa; à sogra, à mulher, aos filhos. Outros vão simplesmente porque sentem que o estar em frente às águas é um lenitivo para as dores. Mas todos vão e, de cana na mão e olhos no mar, sentem-se todos homens iguais.
Vagueiam também pelo porto prostitutas. Normalmente são mulheres de meia-idade, com a pele e os cabelos curtidos pelos elementos, e as unhas compridas em dedos amarelados dos cigarros fumados ao vento.
Estas mulheres não costumam procurar os pescadores. Embora muitos deles tenham um aspecto perfeitamente decente, e serem pessoas com posses suficientes para pagar os seus serviços, elas fogem ao contacto intímo com estes homens de mãos sujas e mal-cheirosas, de unhas negras dos restos de minhocas esmagadas e tripa de peixe.
Eles pescam pouco e elas têm poucos clientes. No fundo estão todos à pesca, e todos no lugar e na hora errada.
Uma dessas noites, um jovem pescador acercou-se de um outro mais velho e entabulou conversa.
- E que tal corre a noite?
O outro olhou de esguelha por debaixo do boné enterrado até às orelhas e das abas do casaco ensebado com as abas levantadas sobre o pescoço.
- Vai correndo... Daqui não se tira nada...
- Nós ali também não... - disse o mais novo, apontando para um vulto na escuridão, que era do seu amigo e companheiro das pescarias.
- Nós ali.. - continuou - ...até já pusémos anzois pequeninos, para apanhar qualquer coisa, nem que sejam uns jaquinzinhos, mas nada... Isto aqui parece o Mar Morto...
- E o senhor? Também está de anzol pequeno? - foi-se adiantando, movido pela curiosidade própria dos pescadores, que querem saber sempre o que os vizinhos andam a fazer.
O outro grunhiu qualquer coisa e apontou para um balde cheio de sardinhas cortadas ao meio.
- Eu estou com sardinha. Anzol grande. Eu vim para o robalo.
- Pois... Nós com pequenos, o amigo com grande... Mas isto é igual para todos. Uma pessoa chega aqui e sabe lá o que há de escolher...
O outro não disse nada. Passou talvez um minuto, tempo suficiente para acender um cigarro, recolher a linha, verificar que o isco tinha de ser trocado, e, com mestria, começar a montar meia-sardinha no anzol de grandes dimensões, atada com linha de costura.
Lançou o isco à água, enquanto o cigarro deixava pender um borrão de cinza que era quase meio cigarro.
Finalmente resolveu responder ao cachopo, enquanto sacudia a cinza do casaco e aconchegava a gola por causa do frio.
- Quando não sabe o que escolher, escolha grande. Porque não pescar por não pescar... Mais vale não pescar robalos do que não pescar jaquinzinhos...

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